As adaptações de quadrinhos têm sido palco de interpretações artísticas únicas, e poucas geraram tanto interesse quanto Coringa: Folie à Deux. Esta sequência do aclamado Coringa apresenta uma premissa inusitada: contrastar os temas sombrios do personagem com um mundo vibrante de romance musical. Porém, apesar do começo promissor, o filme tropeça ao longo do caminho, afastando-se do seu potencial inicial.
Um Começo Promissor
Dois anos após Arthur Fleck deixar sua marca em Gotham, Coringa: Folie à Deux inicia com uma premissa intrigante: a exploração da relação entre Coringa e Harley Quinn em um cenário musical. A introdução de Lady Gaga como Harley Quinn traz um novo dinamismo à narrativa, prometendo uma abordagem única dentro do gênero de super-heróis.
A Transição para um Drama Judicial
Apesar do início interessante, o filme rapidamente se transforma em um drama judicial monótono, perdendo grande parte de seu encanto. Grande parte da trama se concentra no tempo de Arthur em Arkham Asylum, enquanto enfrenta julgamento e lida com sua identidade.
1. Estratégia Legal vs. Realidade
- A advogada de Arthur, interpretada por Katherine Keener, tenta argumentar que Arthur e Coringa são entidades distintas, levantando questões sobre identidade e trauma. No entanto, o desenvolvimento dessas ideias se perde em longas cenas de tribunal que carecem de dinamismo.
2. Exploração Limitada de Harley Quinn
- A escolha de focar no drama judicial reduz significativamente o espaço para que a personagem de Harley brilhe. Gaga, conhecida por suas performances exuberantes, é relegada a um papel secundário, sem oportunidade de explorar todo o potencial de sua personagem.
Elementos Musicais Subutilizados
Como um musical “jukebox”, o filme poderia ter aproveitado a música para enriquecer a narrativa.
3. Terapia Musical Promissora, Mas Subdesenvolvida
- As sessões de terapia musical entre Arthur e Harley sugerem uma conexão poderosa, mas o roteiro não explora esse elemento profundamente.
4. Performances Musicais Desconectadas
- Embora haja tentativas de integrar músicas icônicas, elas falham em criar impacto e parecem mais uma distração do que uma extensão da trama. Os temas de amor e loucura compartilhada são apenas superficialmente abordados.
Uma Sequência Presa ao Passado
Em vez de se sustentar por seus próprios méritos, a sequência depende excessivamente de elementos do filme anterior.
5. Revisitação de Temas Já Explorados
- O filme retorna às questões da infância abusiva de Arthur e seus conflitos existenciais, mas sem oferecer novos insights. Isso cria uma sensação de repetição, em vez de aprofundar os temas.
6. Execução Irregular da Caracterização
- Embora Joaquin Phoenix brilhe novamente como Arthur, entregando uma performance complexa, o filme não aproveita esses momentos transformadores. Em vez disso, os desenvolvimentos significativos do personagem são tratados como pontos de trama secundários.
Harley Quinn: Potencial Não Realizado
Lady Gaga oferece uma performance carismática e multifacetada como Harley Quinn, mas, como o filme em si, sua personagem é subaproveitada.
7. Uma Oportunidade Perdida
- A capacidade vocal e a presença cênica de Gaga poderiam ter trazido uma profundidade emocional significativa ao filme, mas o roteiro raramente explora isso. A relação entre Harley e Arthur sugere um comentário fascinante sobre obsessão e identidade, mas permanece subdesenvolvida.
Lamentando Ideais Não Cumpridos
Coringa: Folie à Deux começa com a promessa de uma nova direção artística, misturando o psicológico sombrio dos personagens com uma perspectiva musical esperançosa. Infelizmente, o filme se transforma em um drama judicial previsível, obscurecendo seus protagonistas e impedindo o desenvolvimento de temas inovadores.
Apesar de sua ambição inicial, a sequência se prende a repetições do passado, deixando os espectadores desejando uma exploração mais profunda dos personagens e de suas dinâmicas. Em vez de ser uma continuação ousada da história de Arthur Fleck, o filme se torna um exercício frustrante de potencial não realizado.
Para quem se interessa pela evolução do cinema de super-heróis, o filme oferece uma reflexão sobre as narrativas que vale a pena explorar e sobre como intenções artísticas podem, às vezes, falhar em sua execução.
Coringa: Folie à Deux: apresenta uma exploração imperfeita, mas significativa, de temas como identidade, obsessão e as consequências da crueldade social, deixando, porém, muito a desejar. – Rafaela Carvalho